quarta-feira, 12 de junho de 2013

Pra mim, pra você também: que delícia!


Meus amigos darks vão detestar: nada mais clean que Chico e Caetano. Ninguém agride ninguém, ninguém cospe em ninguém, ninguém bate em ninguém. Ninguém fala palavrão. Quer dizer, fala-se muito merda, verdade. Mas com aquele espírito da coisa que o Coriolano não pegou: gíria teatral para desejar boa-sorte-acé-tudo-de-bom-sucesso-felicidade – esses lances altíssimo alto astral. Darkmente fora de moda.

Confesso que temi: seria uma fusão daquela bagunça esquerdizóide de O Fino da Bossa com a pétrea algidez do Globo de Ouro? Com sorte, pitadas de Divino, Maravilhoso e, muito azar, aqueles climas Brian de Palma de festival. Ledo e nagle engano: tudo simplezinho, coisa de comadre mesmo. De saída, cantam Cotidiano e Você Não Entende Nada. Picadinhas maliciosas, meneios de ombros, ondular de quadris. Surpresa: Chico, todo de branco, mudou muito. Está mais soltinho que Caetano, gente!

Luz linda. Palco limpinho, reflexos vezenquando verdes, vezenquando azuis ao fundo. Corta para a plateia – mais seleta? Impossível – caras rápidas. Todas as enfermeiras: Elizeth Cardoso e Paulo Ricardo do RPM, Beth Carvalho e Nelsinho Motta, Scarlet Moon e Guilherme Araújo. Não necessariamente lado a lado, lógico. Caetano canta Milagre do Povo, aquela da minissérie Tenda dos Milagres: mamãe Oxum encosta – ora yê yê ô –, e tornará a encostar antes da entrada naturalmente triunfal de Bethânia. Até lá, paciência, é preciso sobreviver a Luis Caldas, aquele moço do Fricote. Sem querer, juro, lembro das nigrinhas que Odavlas Petti falou e Bivar imortalizou... Se Elza Soares é a nossa Tina Turner, Luis Caldas sem dúvida é o nosso Prince! Com a vantagem de usar brincos muito, mas muito maiores mesmo.

Chega o melhor: Rita Lee e I Like You Very Much, sucesso de Carmem Miranda, vestida de Alice no País das Maravilhas, mascando chicletes, lacinho na cabeça e tudo. Você não vai acreditar, mas ela está a cara do Patricio Bisso. Melhor que nunca. Mas Oxum torna a possuir Caetano. Ele saúda Mãe Menininha, o que significa: Bethânia vem aí. Pulseira, pulseira, pulseiras. E pulseiras. Faz tudo que tem direito: joga a cabeça para trás, levanta o braço esquerdo com o microfone, junto à boca, enquanto lança no ar o braço direito, pesado de... pulseiras. Quem tem menos de 35 anos vai querer dar tiro. Então pinta o número forte. Rita volta, de calças, e com Bethânia, felinamente jogadas ao chão, fazem um número de sapateado implícito. A plateia ergue-se em ímpeto incontido.

Vou ficando cada vez mais feliz e mais fútil, até o grand-finale. Todos juntos, cantando Merda, a plenos pulmões. A última imagem que guardo é a cara linda de Sônia Braga na plateia, deliciada, fazendo coro: “Merda para você, desejo merda / merda para você também / Diga merda e tudo bem / Merda toda noite, sempre, amém”. Pra mim, pra você também. Pena que você não vai poder ver. Mas deixa estar, Jesuzinho castiga. Ou tarda, mas não falha. Próxima sexta, tem Part II. Se aquelas najas censórias deixarem...


                          OESP, Caderno 2, sexta-feira, 25 de abril de 1986

E no vídeo abaixo... "Então pinta o número forte. Rita volta, de calças, e com Bethânia, felinamente jogadas ao chão, fazem um número de sapateado implícito. A plateia ergue-se em ímpeto incontido"