sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Adeus, agosto. Alô, setembro!



Mesmo aqui, no país bandido,
agosto sempre vai embora. E
setembro sempre volta, sim


Agosto, todo mundo sabe, nunca foi fácil. Este que nos deixou à meia-noite de ontem e pareceu durar uns seis meses, cumpriu a tradição. Levou Drummond, levou John Huston, Gilberto Freyre. O mais patético: levou Pixote. Ao saber do assassinato (é as-sas-si-na-to mesmo que eu quero dizer) dele, além de sentir uma vergonha viscosa de ser brasileiro, fiquei pensando assim – Deus, o que é que está acontecendo com este país? Imagino a praça de guerra (Líbano perde) em que se transformou o Rio de Janeiro e, na trilha sonora, ficou ouvindo Lobão berrar “vida, vida, vida bandida”. Em 1987, Lobão tornou-se a mais perfeita tradução de Brasil. Um país invadido pela corrupção, pela barbárie, pela violência policial, pela bandidagem. Você vai até a esquina comprar cigarros e não sabe se volta vivo.

Falei disso a um motorista de táxi. Sobre Pixote, ele disse: “Pau que nasce torto, não tem jeito, morre torto”. Sobra a guerra da polícia com os traficantes, no Rio: “Bandido tem mais é que morrer”. Fiquei pensando: e, se tivesse educação, tinha bandido?  Se tivesse comida, tinha bandido? E se tivesse uma perspectiva qualquer de futuro no ar, tinha bandido? Se houvesse um mínimo de alguma coisa levemente parecida com “felicidade”, “dignidade”, “justiça?”. Quem inventou essa violência desenfreada que tomou conta do País não foram os marginais – foram os poderosos. Se eu desculpo bandido? Desculpo sim. Não desculpo é marajá. Não desculpo Zé Sarney no comando desta barca de Medusa, navegando em mar de sangue – em direção a que abismo?  Ninguém sabe, temos medo.

Passadas as águas de agosto, ontem inaugurou setembro. E por não apostar no País, aposto em setembro (“se o mundo é um lixo, eu não sou”). De saída, tem uma coisa linda que eu vou contar pra vocês. É assim: tenho quatro irmãos de sangue em Porto Alegre, e – graças a Deus – talvez uns 20 irmãos de alma soltos pelo mundo. Esta semana, dois deles estão aqui, vindos de Porto Alegre para apresentar no Madame Satã um trabalho chamado Lenta Valsa de Morrer.

Ivan, Adriana e Eliane: Lenta Valsa de Morrer
Eles chamam-se Ivan Mattos e Eliane Steinmetz (Eliane é “a Gorda” – emagreceu, mas o apelido ficou), atualmente também conhecidos como “os loiros” porque, como diz o Bivar, oxigenaram um pouco. Ivan e Gorda são das pessoas  mais engraçadas que conheço, e das mais talentosas. Não estão mais cabendo em Porto Alegre, a cidade-carroça, e vieram mostrar esse trabalho para quem quiser ver. São textos de Clarice Lispector, do alemão Heiner Müller, do gaúcho Renato Campão – e também meus. Tudo isso embalado pela voz de Adriana Calcanhotto, uma supercantora (quem perdeu o show dela no Off, semana passada, dançou), com participação de Adriane Mottolla, uma moça muito chique, e figurinos de Zé Adão Barbosa, um moço também muito chique. Na direção, outro irmão de alma: Luciano Alabarse. Pinta lá pra ver. Eles vão gostar, você também.

Se estou fazendo propaganda dos meus amigos? Lógico, meu bem, você acha que eu ia fazer propaganda dos meus inimigos? Sinto/sei que, de cada vez que o horror arreganha os dentes – assassinam Pixote, o Rio vira Líbano -, se a gente estiver atento, no minuto seguinte a velha Dona Vida, essa senhora imprevisível e nem sempre respeitável, faz uma pirueta no trapézio para mostrar a outra face. Não a de megera medonha, sanguinária, mas seu avesso: a fada suave, revelando o talento de gente moça. Ivan, Eliane, Adriana, moçada que já nasceu com os militares no poder, sem esperança nem fé, rolando de rir de tudo, com um jeito insólito de captar o sério das coisas. Não o sério clichê, o sério careta – mas um olho novo de pegar o mundo. Esse jeito existe, eu já vi. Cada vez que olho para Ivan e Gorda, cada vez que ouço Adriana, ele está lá.

Como setembro. Mesmo aqui, no País Bandido, agosto vai sempre embora, e setembro sempre chega. Se você q      uiser, claro. Porque, como aquele motorista de táxi, você pode achar que bandido é bandido, tem que ser morto. Quanto a mim, acho que todo mundo tem mais é que viver. Ser feliz. Agora, dá licença, vou escancarar a janela, tomar um banho e me preparar para este setembro que ninguém vai sujar. Em mim, não mesmo.

                      OESP, Caderno 2, Quarta-feira, 2 de setembro de 1987


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