segunda-feira, 18 de junho de 2012

A Vaca e o Hipogrifo

Quintana: Irônico, irreverente


“Um dinossauro na floresta de vidro/ borboleta branca na cidade queimada”: assim o poeta Nei Duclós definiu Mario Quintana, em Outubro.  Com o desajeitamento de quem não conseguiu adaptar-se aos grandes centros (“Onde está o nosso querido chão humano? Tudo é tão desnatural”, queixa-se ele), de dinossauro Mario magicamente transforma-se em borboleta ao fazer anotações como “...e essa tentação de roçar na face e pele perfumada do pêssego, como se ele fosse uma pêssega...”


Mario no Majestic
Aos 71 anos de idade, o poeta gaúcho, ao longo do tempo, se tem mantido fiel à idéia de que “provinciano é sair da província” – embora com o prejuízo de ter sua obra  pouco ou mal conhecida a nível nacional, por problemas de distribuição ou pela distância, voluntária, do eixo Rio-São Paulo. Mas isso talvez pouco lhe importe, já que, na sua opinião “ir de um lugar para outro é o mesmo que mudar de posição um velhop móvel no quarto de sempre”. No quarto do velho Majestic, em Porto Alegre, onde se refugiou há vários anos,  há espaço suficiente para as vacas e, eventualmente, os hipogrifos que povoam seu trabalho, e também para as donas santinhas doceiras de antigamente, as ruas silenciosas que a cidade perdeu, os filmes de vampiros de que se declara admirador, os encontros que imagina, na calada da noite e das páginas adormecidas dos dicionários, entre figuras como Napoleão e Nabucodonosor.

Irreverente – Um mau humor quase sempre muitíssimo bem humorado percorre as anotações poéticas que, há vários anos, ele vem publicando no suplemento literário do Correio do Povo, com o título de Caderno H. Irônico, irreverente, não perdoa monstros sagrados como Mark Twain (para ele, simplesmente “um grosso”), Anatole France – ou os contos de Guy de Maupassant e O. Henry,  que, “em vez de terem desenlace (...) tinham era uma laçadinha, cuidadosamente feita, como nesses presentes de aniversário”. Minicontos, poemas, contos, pequenas observações sobre fatos cotidianos, livros e filmes (ele achou King-Kong “por demais parecido com a Rachel Welch: a mesma boca quadrada, os olhos fundos, os gestos mecânicos”) – e, atrás de cada frase ou verso, uma aversão à seriedade empostada, como à oratória “bramidora e gesticulante”, que considera “uma forma literária de epilepsia”.

Marcado a ferro – Individualista confesso, lírico deslavado, o dinossauro-borboleta se opõe de início à massificação do indivíduo e à desumanização crescente do homem na sociedade tecnológica: o primeiro texto de A Vaca e o Hipogrifo tem como título o número de sua carteira de identidade, marcado a “ferro em brasa como fazem os estanceiros com o seu gado...” Aos entrevistadores profissionais que fazem cobranças sobre a função social da poesia, ele responde que “o velho Karl Marx só escrevia poemas de amor...”

Diz Ezra Pound, em um de seus ensaios, que os grandes escritores não precisam de denúncias. Poeta maior, apesar do vazio desse lugar-comum nos seus mais de dez livros publicados Mario Quintana conquistou o direito de ser exatamente como é: profundamente poético. E, se deseja que seu trabalho seja um alívio, e não um antídoto, para a tecnocracia atual, consegue isso plenamente. O próprio Mario é o maior definidor de sua obra, quando diz que sua poesia pretende ser “como quem se livra de vez em quando de um sapato apertado e passeia descalço sobre a relva”

                                  Veja,  14 dezembro, 1977


Um comentário:

  1. Cheguei à conclusão de que meu amor é dos escritores gaúchos...:)

    ResponderExcluir