terça-feira, 6 de março de 2012

Processo de Criação - Parte 2




                     Segunda parte da entrevista  do Caio Fernando de Abreu publicada no livro 
                     Processo de Criação, de Darlene Dalto (Editora Marco Zero, 1993). 



Você sempre deu nome às suas personagens?
Não, as minhas personagens não tinham nome. No Onde Andará Dulce Veiga?, o narrador não tem nome. Todo mundo tem nome mas ele não. Em geral a personagem nasce com um nome, mas quando você força esse não é o nome da personagem. Soa falso.


Por que Teresa?
Teresa, porque na minha memória eram sete irmãs, todas com T: Teresa, Tânia, Tônia, tinha uma brincadeira assim.



É comum você criar uma história a partir do real?
De uma frase, de uma imagem, de um verso qualquer. Existem escritores, que chamo de escritores-imã, que são aqueles que me dão vontade de escrever. Por exemplo, eu leio Adélia Prado e me dá uma vontade maluca de escrever. Lúcio Cardoso, um escritor brasileiro muito esquecido, também me dava muita vontade de escrever. Ele traduzia os grandes romancistas ingleses dos anos 30, 40, a literatura dele tem muito clima do romance inglês. O Tempo e o Vento, do Érico Veríssimo também me dá uma vontade danada de escrever.



Eu gostaria que você falasse sobre o período da faculdade em relação ao seu processo de criação.
Foi onde conheci os meus primeiros pares ou cúmplices, foi quando descobri que havia pessoas no mundo tão bizarros como eu. (risos).



Você e seus amigos chegaram a criar juntos?
Não, escrever não. Escrever é muito solitário. Uma amiga chamada Magliani me estimulava muito a desenhar, na época fiz umas colagens e tal. Mas logo conheci um pessoal que fazia teatro. Eram pessoas mais parecidas comigo. E são pessoas que deram muito certo, por exemplo, o Luiz Roberto Damasceno, que trabalha como Gerald Thomas, o Arthur Nunes, diretor de teatro que está no Rio, com ele escrevi algumas coisas para teatro, a Elke Maravilha era Elke Bell, ela estudava na faculdade de filosofia.



Você admitia interferências no seu trabalho?
Dessas pessoas sim.



Chegava a escrever em função do que eles diziam?
Às vezes sim. Eu tinha uma ótima crítica, Cecília Niesemblat, que agora trabalha com grupos de periferia em Porto Alegre. Ela lia e criticava duramente. E Madalena Wagner, que mora há anos na Alemanha, me orientou muito.



Quando você veio para Sâo Paulo?
A revista Veja ainda não existia na época. Eles fizeram um concurso no Brasil inteiro, em 1968, procurando 100 pessoas para virem para São Paulo fazer um curso de jornalismo durante três meses e depois trabalharem na Veja. Quando me dei conta eu estava em São Paulo com 19 anos, morando na ACM (Associação Cristã de Moços), ali na Nestor Pestana e fazendo esse curso de jornalismo. Foi muito doido porque eu tinha vivido no interior até os 16, fiquei três anos em Porto Alegre, interrompi a faculdade e vim para São Paulo.



E como foi trocar, pelo menos em parte, a ficção pela realidade?
Aí começou aquele conflito, que eu acho que você conhece bem: ter que ficar em uma redação todo dia. O jornalismo era mais rígido, o texto jornalístico tinha normas, técnicas e eu comecei a ficar muito angustiado porque ao mesmo tempo em que aprendi algumas coisas em relação à clareza, síntese, por outro lado tinha que fazer um esforço para ser realista e objetivo, achava que me limitiva.



Quanto tempo você agüentou?
68 foi um ano muito agitado, como você sabe. Aluguei um apartamentinho na Rego Freitas. Eu era muito curioso, estava muito atento a tudo, tinha uma reunião política qualquer, vai ter qualquer coisa, eu estava lá. Um dia, não fui trabalhar, estava mal e liguei para a Abril. O meu editor falou, “Olha, não venha porque o Dops esteve aqui à sua procura”. Eu fugi, fechei o apartamento e fui para o sítio da Hilda Hilst, uma escritora extraordinária, e fiquei lá durante um ano. Aí foi maravilhoso porque a Hilda tinha uma biblioteca enorme, eu lia as coisas dela, ela lia os meus textos, escrevi muito, aprendi muito com ela. Peguei contos esboçados, não terminados e organizei o que acabou sendo o meu primeiro livro chamado Inventário do Irremediável. Desde então, até uns dois ou três anos atrás, a minha vida teve a seguinte estrutura: eu trabalhava um ano, um ano e meio em uma revista, um jornal, pedia para ser demitido, pegava o fundo de garantia e ficava um ano, dois só escrevendo. Durante as épocas em que eu tinha um trabalho fixo, dificilmente conseguia terminar um texto literário.



Em que momento você definiu...
Acho que em toda minha vida nunca fiz nenhuma opção. Deixo as coisas meio que irem me levando e as decisões acontecem por si. As coisas foram se juntando. Em uma época trabalhei na editora Abril e quando me dei conta estava no departamento de fascículos, escrevendo receitas de cozinha e ganhando muito bem. Foi horrível. Meu Deus! Isso foi em 80, antes de Morangos Mofados. Aí sim foi uma decisão mesmo. Teve um dia que olhei minha cara no espelho e disse, “Eu não suporto fazer isso, não admito”. Pedi demissão e fui trabalhar na Leia Livros, que era da Brasiliense.


                                              PS: Logo logo a terceira (e última)  parte da entrevista

Um comentário:

  1. Adoro Caio F. Adoro este blog!
    Queria aproveitar para te dizer que o Caio escreveu a orelha do livro O altar das montanhas de Minas. #ficaadica
    Um beijo.

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