sexta-feira, 1 de julho de 2011

Conhecendo o Paraíso – Parte 2


os versos na camiseta são de Bruna Lombardi


ATITUDES
Até agora, não sofri nenhuma rejeição. Mas há editores ligando e perguntando: ‘você não quer editar qualquer coisa’? Não! Eu não escrevo qualquer coisa! Isto é Brasil-Barbie, é querer ganhar dinheiro em cima. Ao mesmo tempo acho que temos que falar. Olha o que fizeram com a Sandra Bréa: ela chamou a imprensa, deu coletiva. Achei o máximo, a estrela querendo o brilho, mesmo o brilho pelo avesso. Falou que tinha sido em acidente de carro. A mídia toda foi investigar, não tinha havido a transfusão e a moral da história era a seguinte: ela era uma piranha, ela teve o que merecia, bem feito. Isso é horrível, nojento. Nós não queremos piedade. Nós queremos que tenha AZT na Secretaria da Saúde e não tem. Eu já fui lá três vezes e não tem. Como conheço a Scarlet Moon e a Lucinha Araújo, no Rio, liguei pra lá e elas me mandaram. Mas e se eu não tenho estes contatos, se não conheço ninguém como a maioria? As pessoas morrem. Solidariedade, amor e tal é muito bonito, mas a gente quer remédio, que as coisas funcionem.

HIPOCRISIAS
Eu já fui tão marginalizado. Mas, de repente, virei uma celebridade só porque sou soropositivo. Tem uma avidez da mídia em relação a isso, um subtexto que diz: “ah, vamos dar força pra essa bicha antes que ela morra”. Às vezes me sinto como um busto pré-póstumo. Claro que tem um lado carinhoso, de respeito, mas tem um lado de preconceito oportunista e sacana. Numa emissora de TV, há quatro anos, tive um entrevero no ar com a Raquel de Queiroz, aquela latifundiária improdutiva e extremamente reacionária – num programa semanal em que eu era sempre um dos convidados (nota: no vídeo abaixo, a partir de 02:55). Depois disso, nunca mais me chamaram para nada, a não ser há algumas semanas. E era o mesmo entrevistador, a quem eu lembrei o fato e que, durante uma hora, não me olhou nos olhos. Mas uma das coisas boas do vírus é que fica assim... um grande caguei. Não tenho nada a perder, a única coisa que posso perder é a vida. Então, quero mais é dizer o que penso, o que realmente sinto, coisas que são verdadeiras pra mim e que podem ser úteis aos outros. Porque eu acho que sou uma pessoa legal, como costuma dizer a Gal Costa. Eu vivi uma porção de coisas, posso dizer coisas boas e más também. Como falava Mae West, ‘quando sou boa, sou ótima, mas quando sou má, sou melhor ainda’.

OTIMISMO
Somos todos Laikas, um país de Laikas, aquela cachorrinha que os russos mandaram pro espaço nos anos 50 e não conseguiram trazer de volta. Eu sempre imagino que ela caiu num buraco negro e foi dar num planeta cheio de Laikas. A condição humana é Laika, a gente urrando pro infinito. Hoje, estou muito otimista. Sempre tive muita preguiça, tédio de viver. A gente não se dá conta de que a vida é um dom, que a saúde é uma benção. As  pessoas estão muito distraídas disso. Acordar de manhã e lavar o rosto é divino. Então, te dá um estado que eu chamo de budista espontâneo, um estado de adoração e agradecimento sem messianismo. Uma pessoa que sabia disso espontaneamente era o Tom Jobim, que era um Zen natural. Alguns, como eu, têm que ficar com a cabeça na guilhotina até o momento em que alguém revoga a ordem e diz: ‘pode deixar por mais um tempo’.
                               Rev. Sui Generis. Nº 1. Janeiro 1995, por Maristela Barrios

Um comentário:

  1. Eu tenho esse vídeo postado no meu orkut. Foi uma das poucas coisas que consegui ver de Caio.. tipo.. ele falando, o sotaque.. as coisas dele.

    Vou rever agora.
    Acho emocionante.

    Saudades dele... das coisas lindas que ele ainda poderia estar dizendo.

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