terça-feira, 10 de maio de 2011

Saudades da pré-barbarie


Nos anos 70 se escrevia mais carta? E mais ainda nos anos 60, muito mais nos 50, muitíssimo mais nos 40, e assim por diante, para trás, respectivamente. Os 70, além de terem sido a década daquele boom da literatura brasileira, acelerou o tráfico de amizade entre escritores. Havia revistas literárias, novas editoras, feiras, encontros, informações eram trocadas o tempo todo. Por carta. Que não fax nem computador, e telefone não era esse arroz-de-festa de hoje em dia, não. Por carta, criavam-se grandes amizades, confidências eram feitas, havia outra literatura brasileira pulsando através das cartas. Iradas, pungentes, subversivas, solidárias, fatigadas: belamente humanas, enfim. Mais vivas, vezenquando, que os livros.
Todos os escritores naquele período escreveram muitas cartas. Não sei quem mais, além de mim, as terá guardado. As minhas, estou doando para que os fragmentos daquele tempo não se percam. Porque a literatura nasce, principalmente, da luta contra Cronos e o Kaos que nos devoram a cada dia. Proust sabia disso, e nisso centrou a sua obra. Claro, em tempos de internet, talvez toda essa papelada não passe de peça de museu. Mas como escritor, é assim mesmo que frequentemente me sinto hoje em dia: Peça de museu. Melancolia? Nada disso. Foi chiquérrimo ter vivido a pré-barbárie dos anos 70. Quem desfrutou desse luxo, sabe do que estou falando.
              O Globo – Segundo Caderno (capa) 4 de novembro de 1995

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